“In a hole in the ground there lived a hobbit. Not a nasty, dirty, wet hole, filled with the ends of worms and an oozy smell, nor yet a dry, bare, sandy hole with nothing in it to sit down on or to eat: it was a hobbit-hole, and that means comfort.”
Dizem que os primeiros parágrafos são os mais importantes em um livro ou conto.
Para “estudos próprios”, vou compartilhar inícios de livros. Não os melhores inícios por si, pois há livros com ótimas aberturas, porém que se perdem no caminho. Compartilho aqui justamente o início dos meus livros favoritos dos últimos dois anos, dois anos e meio.
Há muitos clássicos incríveis que li neste intervalo de tempo, mas também os deixei de fora. Foquei-me em livros “modernos”.
Quando acordou, Auri soube que tinha sete dias
A música do silêncio.
Comentário: bastou apenas uma linha.
Ao acordar dentro da cápsula, ela se lembrou de três coisas. Número um: estava viajando pelo espaço. Número dois: em breve, começaria em um novo emprego, um no qual não podia fazer besteira. Número três: tinha subornado um funcionário do governo para conseguir um novo arquivo de identidade. Nenhuma das três coisas era novidade, mas, ainda assim, não era agradável acordar com esses pensamentos.
A Longa Viagem a Um Planeta Hostil.
Comentário: Sem adjetivos, técnico, mas sincero. Uma nova identidade, um novo emprego.
Vamos começar com o fim do mundo, por que não?
A Quinta Estação.
Acabamos logo com isso e passamos a coisas mais interessantes.
Primeiro, um fim pessoal. Há uma coisa sobre a qual ela vai pensar repetidamente nos dias que estão por vir, enquanto imagina como seu filho morreu e tenta entender algo tão inerentemente sem sentido. Ela cobrirá o corpinho destruído de Uche com um lençol… menos a cabeça, porque ele tem medo do escuro… e se sentará ao seu lado, entorpecida, e não prestará atenção ao mundo que está acabando lá fora. O mundo já acabou dentro dela, e nenhum dos dois fins acontece pela primeira vez. A essa altura, ela já está calejada
Comentário: Poucos adjetivos, diretos: destruído, entorpecido, calejado. Mostra a força do livro e da protagonista.
No segundo Sabá da décima segunda Lua, na cidade de Lamento, uma garota caiu do céu.
Um estranho sonhador.
Sua pele era azul, seu sangue, vermelho. Ela quebrou um portão de ferro, entortando-o com o impacto, e lá ficou pendurada, arqueada de um jeito impossível, graciosa como uma bailarina desmaiada nos braços de seu amor. Uma lança fina ancorava-a no lugar. A ponta, saliente em seu esterno, brilhava como um broche. Ela estremeceu brevemente enquanto seu fantasma se soltava, e botões de bastão-do-imperador choviam de seus longos cabelos.
Comentário: Começa com a construção de mundo, e segue misterioso. Lindo.
O inverno seguia avançado ao norte de Rus’. O ar estava soturno, com uma umidade que não chegava a ser chuva, nem neve. A paisagem exuberante de fevereiro tinha cedido para o cinzento sombrio de março, e toda a família de Pyotr Vladimirovich fungava com a umidade, emagrecida pelo jejum de seis semanas de pão preto e repolho fermentado. Mas ninguém estava preocupado com frieiras nem com o nariz escorrendo, nem mesmo ansiava por mingau e carne assada, porque Dunya ia contar uma história.
A Bruxa e o Rouxinol.
Comentário: Um dos meu favoritos, o coloca no inverno, em Ru’s, ouvindo uma história. Fome, doença e o frio não importam.
Alguns anos atrás na cidade de York existia uma sociedade de magos. Eles se reuniam na terceira quarta-feira de cada mês e liam ensaios longos e enfadonhos sobre a história da magia inglesa.
Jonathan Strange & Mr. Norrell.
Eram magos cavalheiros. Ou seja, nunca fizeram mal a ninguém por meio da magia, nem por meio dela jamais fizeram algum bem. De fato, para falar a verdade, nenhum deles nunca recorreu ao menor encantamento, nem por meio da magia jamais fez uma folha de árvore tremular, nunca alterou o curso de uma partícula de pó ou mudou um só fio de cabelo na cabeça de alguém. Porém, feita essa pequena ressalva, os magos tinham a reputação de ser os cavalheiros mais sábios e mais mágicos do condado de York
Comentário: Não apresenta muito, mas demonstra claramente a escrita irônica da autora.
Ele era um alvo fácil.
A Cidade de Bronze.
Nahri sorriu por trás do véu, observando os dois homens discutindo conforme se aproximavam da barraca dela. O mais jovem olhava, ansioso, na direção do beco enquanto o homem mais velho – cliente dela – suava ao ar frio do alvorecer. Exceto pelos homens, o beco estava vazio; a fajr já fora anunciada, e qualquer um devoto o suficiente para orar em público – não que houvesse muitos no bairro dela – já estava entocado na pequena mesquita no fim da rua.
Comentário: Você é um alvo. Mostra a ambientação e a personagem. Confesso que esse parágrafo não faz jus ao livro como um todo, mas ainda sim é muito bom.
No meu aniversário de 75 anos fiz duas coisas: visitei o túmulo da minha esposa, depois me alistei para o exército.
Guerra ao Velho.
Visitar o túmulo de Kathy foi a menos dramática das duas.
Comentário: Scalzi é mestre. Mostra o tom de sua linguagem, rápida e irônica.
Lyra e seu dimon atravessaram o Salão, já bastante escuro, tomando cuidado para seguirem junto à parede, fora de vista da Cozinha. As três mesas grandes ao longo do Salão já estavam arrumadas e os bancos compridos estavam afastados, esperando os comensais. No alto, ao longo das paredes, os retratos de antigos Reitores estavam na penumbra. Lyra chegou ao tablado e se voltou para olhar a porta aberta da Cozinha; não vendo ninguém, subiu para junto da mesa principal.
A Bússola de Ouro / Northen Lights.
Comentário: Não mostra a potência que será o livro, mas mostra a potência que é a Lyra e seu dimon. O que é um dimon? Só lendo para entender.
Uma janela se escancarou muito acima da feira. Uma cesta saiu voando de lá, traçando um arco em direção à multidão distraída. A cesta sofreu um espasmo em pleno ar, depois rodopiou e continuou sua trajetória rumo ao solo, só que num ritmo mais lento, irregular. Dançando precariamente durante a descida, sua trama de metal se prendeu e se arrastou pela áspera cobertura do edifício. Roçou a parede, fazendo com que um pouco da tinta e do pó de concreto caísse no chão antes dela.
Estação Perdido.
O sol reluzia por entre nuvens assimétricas com uma luz cinza e brilhante. Embaixo da cesta, as barracas e os barris formavam um quadro que lembrava um derramamento descuidado. A cidade fedia. Mas era dia de mercado no Buraco da Galantina, e o cheiro pungente de estrume e comida podre que pairava sobre Nova Crobuzon era, naquelas ruas, naquele horário, aprimorado por pápricas e tomates frescos, óleo fervente e canela, carne seca, banana e cebola.
Comentário: As primeiras linhas do prólogo são também bonitas, mas optei por essa do capítulo 1, pois foca na cidade. Sinestesia pura esse livro, condensada neste parágrafo.
Deveríamos regressar – insistiu Gared quando os bosques começaram a escurecer ao redor do grupo. – Os selvagens estão mortos.
As Crônicas de Gelo e Fogo.
Comentário: Sim, eu sei que é um clássico e não colocaria clássicos aqui. Mas é para provar que pode-se começar com diálogos!
Farei meu relatório como se contasse uma história, pois quando criança aprendi, em meu planeta natal, que a Verdade é uma questão de imaginação. O fato mais concreto pode fraquejar ou triunfar no estilo da narrativa: como a jóia orgânica singular de nossos mares, cujo brilho aumenta quando determinada mulher a usa e, usada por outra, torna-se opaca e perde o valor. Fatos não são mais sólidos, coerentes, perfeitos e reais do que pérolas. Mas ambos são sensíveis.
A Mão Esquerda da Escuridão.
Comentário: Com um narrador sincero e poético, sabemos que a história será bonita.
Eva Nove estava morrendo. Os minúsculos pontos escarlate em sua mão lembravam os olhos encolerizados da cobra que acabara de picá-la.
Em Busca de Wondla.
Comentários: Inicia-se logo com uma situação de risco. Nunca erra.