Avulso: O Biomecânico

O Porto de Tritão, daqueles tempos de um entreposto comercial e parada final para os navios solares, só manteve o nome e o certo ar citadino decadente que qualquer cidade portuária na história mantinha.

Apesar das décadas vivendo aqui, nunca me senti confortável. Nem mesmo no auge da exploração dos planetas anões, quando os navios traziam centenas de potenciais clientes, daqueles tipos desesperados que me pagavam qualquer preço por uma prótese meia-boca.

Mesmo assim, uma bebida, um boteco, e uma vista decente de Netuno. É, dava para encarar.

— Tahr Silva — uma voz me chamou.

Não era sequer uma pergunta. Virei-me. A mulher na porta do bar parecia idosa, muito acima da expectativa de vida para alguém local. Examinei sua postura ereta, o olhar afiado, o movimento duro dos braços. Movia-se como um militar — um corpo treinado a carregar e controlar trajes de guerra pesados. Bastaria saber: policial ou exército?

— Pois não? — Encarei-a.

— Tahar Silva, o biomecânico — Ela continuou dizendo enquanto se aproximava, como se fosse uma antiga conhecida saudosa cumprimentando-me. Odiava essa falsa intimidade.

A minha profissão não era mistério. Eu fazia questão de todos conheceram minhas habilidades, com implantes e próteses mecânicas. Todos sabiam qual bar eu fazia de escritório. O nome do lugar, “O Homem do Futuro”, era apenas uma das ironias e sutilezas que me agradava na vida.

Mas ela saber o meu nome, o meu verdadeiro nome, não poderia era um bom sinal.

— O que você quer? — Fui ríspido.

— Calma, meu amigo — Seu falso sorriso era evidente. Ela sentou-se à minha frente e pousou uma pistola antiga classe 3B sobre a mesa. Muito potente para ser de uso policial, muito antiga para ser do exército. Deveria ser uma daquelas armas utilizada durante a Guerra Terrestres—Gasosos, de décadas atrás, de quando o centurião de Kuiper circulava o inferno.

Ainda se acomodando na cadeira, ela continuou:

— Meu nome é Joana Hya, investigadora particular — Ela projetou um cartão holográfico, como se um aparato facilmente falsificável provasse algo. Mas eu sabia que não era mentira, a sua áurea esnobe bastava de prova. Um saco de detetive.

— Essa sua arma é fudidamente ilegal — Eu disse com asco.

— É mesmo? Pensei que você gostaria de ver uma lembrança da sua guerra.

— Minha guerra? Quando a guerra estourou, eu já estava atolado aqui. Os planetas anões não tomaram partido, muito menos eu. Estávamos passando fome, desabastecidos enquanto vocês brincavam de se matarem.

A mulher parecia velha, e esse papo de guerra não fazia sentido algum para mim. Tive pena ao pensar que ela poderia estar enlouquecida, ou então viajado até o limite da civilização por uma pista falsa.

Ou talvez…

— Algum cliente insatisfeito mandou você? Podemos fazer um acordo, tenho certeza. Não posso devolver nenhuma grana. Como pode ver não estou nadando em dinheiro. Mas posso fazer novos serviços, sem cobrar mão de obra. Que tal?

— Acontece que não estou preocupada com as merdas mecânicas que você enfia em peões e criminosos. Estou aqui por causa de Ali Al’zar.

Ali Al’zar. O famoso insurgente. Ele foi o responsável pelo primeiro ataque ao Governo Central em Marte, ainda como líder rico e engomadinho de uma colônia na lua Europa. O estopim para uma guerra inevitável.

— Vai negar que o conhecia? — ela complementou.

Sabia que não adiantaria negar, mas não queria facilitar as coisas.

— O que faz você achar que eu o conheci?

— Rastreei todos os voos dele, mesmo os mais mascarados. Soube que ele foi até você em Éris, e alguns dias depois você foi para a Europa. Simples assim. Os sistemas de segurança portuária desses planetas por aqui não são muito difíceis de hacker, sabe. Uma câmera nitidamente mostrou a nave favorita de Ali, mesmo que disfarçada, aportando bem pertinho de sua clínica.

Hacker voos pessoais e sistemas portuários. Mais uma coisa fudidamente ilegal. E de qualquer modo, uma associação muito frágil. Pura coincidência.  Sabe, muitas vezes vemos coisas que queremos ver, mas não existem de verdade.

— Sei. Porém, não é só isso. Vamos chegar lá, calma. — Ela parecia orgulhosa de sua obstinação por ter assistido infinitas horas de filmagens de câmeras de segurança portuárias. Então ela continuou falando.

—  Então, diga-me, o que você sabe sobre Ali Al’zar? — Suas perguntas soavam como afirmações.

— O que todo mundo sabe. Um empresário rico, e depois um líder militar de uma colônia rebelde, hoje reduzida a pó. Também é de conhecimento de todos que quando ele percebeu que seu lado estava perdendo, se enfiou em uma nave extra-solar e sumiu como um covarde. Provavelmente quando ele pousar em qualquer rocha pela galáxia — se pousar — já teremos virados pó. Ele escapou.

— Eu sei. Não estou atrás dele.

Estava me cansando desse jogo.

— Vamos logo com isso. Ou me prenda, ou atire em mim.

— Você não está sendo acusado de nada, não ainda. Quero apenas sua colaboração. Apenas conversar, é razoável?

— Sobre o que? — Não pude negar minha curiosidade. O nome de Ali era suficiente para me manter na conversa. O maldito sumiu me devendo grana. E de qualquer modo eu não tinha nada a ver com a guerra dele, assunto que ela parecia tanto se interessar.

— Sei que o conheceu pessoalmente pois você fez algo para ele. Algo que você mesmo talvez nem deve saber. — Então ela pousou a mão sobre a arma — Vamos logo com isso, como você mesmo disse. Como conheceu Ali. Não me enrole.

Naquela época eu estava em Éris, a última fronteira humana no espaço. Por mais que a ciência evoluísse, a viagem na velocidade da luz e a consequente relatividade temporal ainda eram entraves à sonhada exploração extra-solar. Pelo menos em larga escala. Havia uns ricos ou lunáticos aventureiros, que nunca davam notícia.

Eu havia sido expulso de uma universidade em Saturno, teoricamente por ferir algum código de ética médica, e fui instigado à auto reclusão. Veja bem, outra sonhada conquista humana havia se mostrado também impossível. A Inteligência Artificial existia, mas não como pensávamos. Poderíamos criar uma Inteligência Artificial, mas não uma boa em multitarefas com variáveis aleatórias. Há muito poderíamos ter um computador imbatível no xadrez, mas até um símio bem treinado ganharia em uma partida de póquer contra esse mesmo supercomputador.

A solução encontrada para explorar e se expandir para o inóspito sistema solar foi adaptar o corpo humano, com implantes e melhorias biomecânicas. Mesmo assim o corpo tinha um limite. Se o modificasse muito, o cérebro humano colapsaria. O sistema nervoso simplesmente não comportava mais de duas ou três adaptações radicais. Poucos tinham a coragem e disposição de testar novos limites. Era isso afinal que chamavam de ética médica.

Desde então eu tinha uma pequena clínica, vivendo de obscuros contratos com empresas mineradoras de metano pela região dos planetas anões.

Foi quando um homem rico entrou na minha sala.

— Bom dia. Você é o famoso biomecânico de Éris?

— Não só de Éris, mas de todos os planetas gelados. Me chamam de Max, e o senhor seria…?

— Ali Al’zar. Possuo alguns prósperos negócios na Europa e outros satélites. Mas temo que não sou famoso em lugar nenhum.

Com certeza dava para ver que o homem tinha dinheiro. Ele possuía apenas um implante aparente, sua própria pele. Era algo sutil e raro, imperceptível para qualquer um menos treinado. Apenas alguém corajoso, e muito rico, arriscaria ser adaptado assim.

— Interessante sua pele.

Ele apenas sorriu irônico e assentiu, como se eu houvesse respondido alguma pergunta.

— O que você faz aqui, Max? Aqui é para tolos. Pessoas que já morreram, mas esqueceram-se disso. — Sua pergunta mantinha o sorriso irônico.

Eu obviamente me senti ofendido. Talvez pela verdade daquilo. Antes que pudesse revidar ele continuou.

— E você tampouco deveria estar aqui, Max. Ou devo dizer Tahr?

— Como me conhece?

— Eu li os seus trabalhos acadêmicos.

— Nenhum deles foi publicado.

— Não. De fato. Mas a comissão de ética que lhe expurgou dos meios científicos manteve alguns trechos nos autos. Consegui obtê-los. Infelizmente, muita coisa havia sido apagada por censura. É por isso que estou aqui. Saber o que apagaram.

Não sabia como ele teve acesso a documentos antigos e teoricamente sigilosos, mas não me importei. Era a primeira vez que alguém mostrava interesse em minha pesquisa.

— A pesquisa foi proibida. Eu nunca consegui terminar. Aliás, falar dela já seria considerado um crime.

— Para o Governo Central sim. Mas por que devemos nos preocupar com seus tentáculos aqui, ou mesmo em qualquer outra colônia? Por que nos sujeitamos a esse controle?

— Não me importo com política.

— Certo. Mas, com sua pesquisa sim. Eu posso financiar e proteger você. O que acha? Uma carta branca para terminar sua ciência.

Refleti por um instante. O homem parecia sincero e excêntrico o bastante para algo assim.

— Precisaríamos de cobaias, cobaias humanas. Estaria disposto a dar esse passo?

— Posso arranjar.

— E precisaríamos de muito, muito dinheiro. Equipamentos caros, compostos raros.

— Posso arranjar.

Era uma regra interna de qualquer biomecânico não perguntar para que certas adaptações serviriam. Geralmente, era melhor não saber. Mas nesse caso, não pude evitar. Sua resposta foi direta, curta, e me pareceu verdadeira: “Para me libertar”.

Antes dele sair, ele deixou um chip com algum dinheiro. Era apenas um primeiro pagamento, um sinal de boa fé, do total prometido que nunca veio. Ao lado do chip, um cartão aos moldes antigos, de papel, com um código de acesso para um porto escondido lua Europa.

Após eu terminar minha história, Joana projetou outro cartão holográfico. Dessa vez, mostrando uma foto multidimensional dela mais jovem, perto dos cinquenta anos. Vestia os trajes de guerra comuns da aliança Terra—Marte, mas com um capacete que indicava ser de alta patente. Sua identificação era de coronel, aposentada. Abaixo de sua foto havia um link para um laudo médico público, que ela não abriu. Por que ela estava me mostrando sua ID?

Não era raro militares aposentados virarem detetives, seguranças ou mercenários. Geralmente as três coisas juntas.

— Você acreditou nele, em Ali? — Ela me encarava.

— Sim, por que não? Ao chegar na lua Europa, eu percebi que havia muitos bons engenheiros em um projeto de uma nave extra-solar. Pude até vê-la, nunca havia visto uma tão grande. Pensei que minha pesquisa era uma forma complementar, uma forma dele se adaptar a viagem. Quem sabe, até viver flutuando e morando no vácuo do espaço. Um corpo totalmente mecanizado poderia viver sem ar, sem comida, sem dormir. Até mesmo a possibilidade de um humano realizar fotossíntese ele havia pedido. O potencial da minha pesquisa para um explorador extra-solar era incalculável.

— Mas você nunca viu a adaptação final dele, não é mesmo? O resultado do seu trabalho?

— Não. Nunca vi. Assim que considerei a pesquisa avançada, a tensão política nos planetas gasosos cresceu. A colônia de Ali particularmente recebia muita atenção do Governo Central, como você sabe. Para minha segurança, ele pediu para que eu voltasse os planetas anões. Acho que os interesses dele foram mudando mais para a guerra do que para a exploração do universo. O dinheiro eu vi acabando, mas tudo bem, minha pesquisa avançou.

Ela pareceu um pouco pensativa, e me olhou de forma diferente do que havia feito até então. Ainda como se fosse uma velha amiga minha, fez um sinal para o bar e pediu duas doses.

— Você falou do seu passado. Deixe-me falar do meu.

Houve um ataque coordenado contra várias bases em Marte. Não era a primeira tentativa de revolta de alguma colônia menor.

Mas o sucesso do ataque foi impressionante. Na época eu era Oficial de Inteligência, e os relatos dos sobreviventes eram quase sempre os mesmos: androides, robôs inteligentes, máquinas pensantes.

No primeiro, segundo e terceiro relato de nossos sobreviventes, achamos que fosse alguma confusão deles, algum trauma ou engano. Boatos de soldados assustados. Até mesmo um ardil proposital do inimigo, uma espécie de enganação para assustar as nossas fileiras.

Porém, os ataques não cessaram, e nossas baixas eram desnorteantes. A guerra havia se alastrado por todos os lugares, colônias até então submissas aproveitaram nossa fragilidade e se uniram em uma grande aliança. O mais incrível era que nunca conseguíamos realmente entender o que estava acontecendo.

Fui finalmente ordenada a investigar a tecnologia inimiga, e precisei pensar em uma manobra para tanto.

— General Hya irá explicar a missão — anunciou um marechal de alta patente em uma Sala de Guerra da Inteligência.

— O objetivo é capturar a tecnologia inimiga, e entender o que de fato está acontecendo — Iniciei a explicação. — Iremos montar uma armadilha em Phobos. Simularemos um falso estaleiro lá, com carcaças falsas de naves inexistentes, induzindo o inimigo a pensar que temos uma nova tecnologia naval em produção. Deixaremos escapar o suficiente para deixá-los curiosos. O satélite está muito perto de Marte, impedindo uma aproximação direta da frota inimiga, então eles provavelmente irão enviar naves de transportes, pequenas e ágeis o suficiente para mandar um pequeno grupo de solo e levar o combate ao chão.

Um outro coronel levantou a mão, sinalizando que desejava fazer uma intervenção.

— General Hya, é justamente nos combates em solo que estamos perdendo! O melhor seria manter o combate em nível naval. Talvez interceptar a nave de transporte deles, ainda antes do pouso.

— Na verdade, tentamos algo parecido antes, e eles se autodestruíram.

Percebi um silêncio afiado na sala. Pensar em soldados suicidas era difícil. Estávamos lidando com colônias revoltadas, não lunáticos. Talvez no fundo todos achavam possível estarmos mesmo em guerra contra androides. Eu não acreditava nisso. Já havia sido provado que não existia essa coisa de Inteligência Artificial.

— Eu acredito – continuei explicando meu plano – que os inimigos desenvolveram algum traje de guerra moderno, compacto e altamente eficiente. O problema dos trajes é o seu tamanho, o gasto de energia. Eles de algum modo superaram isso. Mas, trajes são trajes. Sem eles, em uma rocha espacial sem ar, o inimigo sufocará. E um inimigo sufocado não pode se auto-destruir, nem os mais fanáticos.

Eu percebia uma atenção esperançosa sobre mim.

— Iremos lançar de Marte os mísseis de pulsos, o bastante para queimar qualquer equipamento que dependa de energia, qualquer equipamento em que um elétron passe. Quanto mais moderno um traje, mais ele depende de energia. Bom, essa é a teoria. Até mesmo as pernas e braços dos trajes modernos tem auxílio eletrônico para aliviar o peso. Um pulso eletromagnético faria qualquer soldado moderno ficar imóvel.

— E esse pulso não irá paralisar os trajes de nossos soldados também? — alguém fez a pergunta óbvia, que eu já aguardava.

— Não, se forem trajes mecânicos e sem eletricidade.

— Escafandro espaciais, você diz? — Alguém soltou uma piada, atraindo alguns risos.

Eu estava falando sério.

— Precisamente. Escafandros espaciais.

Eu sabia que o plano era arriscado. Não tínhamos certeza de que o pulso poderia queimar aqueles teóricos trajes inimigos. Era uma verdadeira loteria. E eu não forçaria nenhum soldado a arriscar usar trajes antigos e obsoletos, contra inimigos definitivamente mais modernos. Então eu mesma me voluntariei com minha equipe para a missão.

Estávamos na órbita de Phobos, enfurnados em crateras, como arcaicos soldados das guerras de trincheira, com vestes que basicamente dependiam de cilindros de oxigênio. Sabíamos que assim que o inimigo passasse a defesa orbital e fosse ao solo, Marte nos bombardearia com os mísseis de pulso. Qualquer comunicação, qualquer equipamento eletrônico que estivesse funcionando naquele momento cessaria.

Assim que vimos um pequeno transportador pairar não muito adiante de nós, e soldados inimigos pularem deles, despreocupados com a pouca bateria antiaérea que simulávamos, um míssil em velocidade incalculável vindo de Marte explodiu entre nós. Silencioso, apagado. O chão tremeu, uma onda de energia passou por nós como um arrepio, desligando nossos comunicadores, computadores de pulso, e até mesmo lanternas. Uma enorme poeira, com areia, seixos e rochas, flutuava entre nós e os inimigos, pairando pela baixa gravidade. Contávamos apenas como nossa visão. Eu sentia-me cega sem o auxílio do infravermelho, sem o computador de mira auxiliar ou o sonar.

Ligamos algumas lanternas a gás em nosso capacete, como antigos mineradores, e fomos até o inimigo. Estávamos armados apenas velharias à pólvora, encontradas apenas em museu. A ideia era atirar em qualquer soldado inimigo que sobrevivesse, rezando para que suas armas modernas não estivessem funcionando e que nossa bala de chumbo perfurasse qualquer blindagem inimiga.

De certo modo a ideia do míssil de pulso funcionou, e o inimigo parecia imóvel na maioria das suas funções. Mas não totalmente. O que vi parecia impossível.

Alguns inimigos estavam agachados, segurando suas cabeças, alguns rolavam no chão, outros estavam desnorteados, socando a si mesmos. Eu conseguia ver em suas faces de metal, que agora de perto dificilmente me pareciam capacetes, mas sim rostos fundidos de metal, numa tentativa de expressão de horror. Se houvesse atmosfera, eu teria certeza de que poderia ouvir gritos desesperados.

Aqueles que tinham mais mobilidade, aqueles que tinham alguma arma funcionando, suicidaram. Androides não se matam dessa forma. Não como se a morte fosse uma libertação. Aquelas eram pessoas, transformadas em máquinas.

Depois do relato, a detetive me encarava como uma acusação. Tive que lhe perguntar.

— Conseguiram capturar alguém?

— Sim. Meus colegas pareciam assustados, inertes. Apenas eu tive a força de terminar a missão. Capturei um inimigo, e matei os outros. Não pensei nisso como massacre, mas como misericórdia. Depois o reforço chegou. Não sei o que aconteceu desde então.

— Deixe-me adivinhar, você foi expulsa do exército?

Ela assentiu.

— Eu havia dito aos superiores que os inimigos não eram androides com inteligência artificial, muito menos usavam um traje super moderno. Eram pessoas, transformadas em máquinas, foram fundidas com o próprio traje e outras tecnologias. Naquela altura, nossos laboratórios já deveriam ter dito o mesmo. Meus superiores apenas agradeceram meus anos serviços e um laudo psicológico me aposentou. Aparentemente, traumas de guerra me induziram a criar alucinações.

O estranho era que, apesar de tudo, eu não sentia como se ela quisesse se vingar de mim. Senti que precisava lhe dizer algo, e fui sincero.

— Sinceramente, eu não sabia que minha pesquisa teria esse fim. Não sei se ajuda a eximir minha culpa. Mesmo as cobaias que usamos, eram apenas pessoas terminais, como com morte terminal. Nunca poderiam ser usadas para virarem soldados. Pensei que minha pesquisa era para exploração espacial, não guerra.

— Sim, eu acredito em você. — E ela realmente acreditava — Antes eu não sabia o quanto você estava consciente do uso da sua pesquisa. Eu sabia que alguém havia ajudado Ali, e sabia que ele veio aqui atrás de um biomecânico. Eu fui atrás de outros registros seu, mas não encontrei muita coisa. Até mesmo os dados de sua expulsão, o julgamento do caso de ética, foi deletado.

— O Governo Central deve ter apagado — inferi.

— Acredito que tenha sido o próprio Ali. Ou o Governo Central já teria vindo atrás de você, para apagá-lo também.

— Bom, você deveria estar feliz. Agora o seu exército tem a tecnologia. Estranho é não terem usado ainda.

— Não sabemos. A Guerra deu uma invertida após minha missão. Mas não me sinto orgulhosa. Não importa que lado tenha a tecnologia, o terror daquele dia me assombra. Sonho às vezes que me transformam em um robô sem consciência. Até hoje não sei o que aconteceu realmente. Como você conseguiu adaptar tanto assim o corpo humano?

Então era isso. Décadas atrás do meu rastro, por uma resposta simples.

— Eu usei travas mentais, uma forma de implante até que simples, inibe a consciência do cérebro sobre si mesmo. Mas, é por isso que a pesquisa nunca foi viável, ela sempre terminava em retirar o livro arbítrio do paciente. Quem aceitaria fazer isso a si mesmo? Não imaginei que esse vão aberto pelo livre arbítrio poderia ser preenchido com ordens militares. O pulso do míssil deve ter apagado essas travas, e alguma mobilidade corporal se manteve possível pois parte do sistema nervoso e músculos originais dos membros não foram totalmente substituídos. — Esperei ela absorver a explicação um pouco. — Bom, agora que sabe, irá me matar?

— Você foi um pária, sua pesquisa foi hedionda e resultou em mais terror ainda. Mas a única forma de isso não ser usado novamente é vir a público.

— Você quer que eu exponha minha pesquisa à público?

— Sim, de certo modo, será o reconhecimento que você nunca teve. Você poderá provar que estava certo, afinal. É capaz até que o Governo Central faça acordos com você, meu Deus.

Eu a examinei. Não sabia se ela queria se vingar do exército que a chutou, ou apenas encerrar um ciclo de pesadelos. Mas de uma coisa eu tinha certeza, independentemente de sua vingança contra o Governo Central, ela seria também famosa.

— Será um reconhecimento para você também, detetive. Imagino que expor um crime dessa magnitude irá aumentar o seu número de clientes. Uma detetive idosa, com um registro psiquiátrico negativo escancarado na própria ID, não deve ter uma fila de clientes.

Ela ignorou meu comentário.

— Vamos, há um jornalista nos esperando em outro bar — Ela finalmente guardou sua arma e se levantou.

Eu e a detetive saímos juntos do Homem do Futuro, como velhos amigos que compartilhavam um mesmo segredo.

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