
Quando o velho Humberto viu a caminhonete laranja e azul da Defesa Civil chegando, estranhou. Não havia geada ou estiagem que sugerisse uma visita. Ficou ali parado, com a pá na mão, acompanhando o agente descer do carro e vir, todo sério, suado dentro do colete laranja.
— Boa tarde, senhor Humberto. — O rapaz cumprimentou.
— Tarde, meu jovem. No que posso ajudar?
O agente encarou Humberto por um tempo, com expressão fechada. Soltou um suspiro e foi direto ao assunto:
— O senhor terá que plantar feijão, de agora em diante. — Tirou um papel de uma pasta, como que para comprovar.
Humberto encarou o papel com um olho franzido, mas recusou pegá-lo. Não saberia ler, de qualquer modo.
Ao invéz disso, também resolveu ser direto:
— O governo está tomando minha terra, é isso?
O rapaz deu um passo para trás. Aquela era a sexta propriedade que ele visitava, e a terceira em que adotava uma abordagem mais direta. Pensou que era sorte ainda não ter levado um tiro até o momento.
— Não é isso. É por causa das bombas. O governo está fazendo alguns ajustes quanto ao que é plantado, prioridades, sabe? Não vamos poder importar mais nada.
Humberto não entendia muito sobre o que acontecia lá fora, mas até ele sabia que alguns países europeus e asiáticos haviam entrado em guerra e inevitavelmente uma ou outra bomba nuclear foi lançada. Só não entendia por que a guerra dos outros tinha a ver com ele, muito menos com os repolhos, alfaces e tomates que plantava
— O governo vai pagar pela mudança? — O velho perguntou, um pouco incrédulo..
— Vai sim. Um extensionista da prefeitura virá ajudar. Com tudo. — O agente retirou um aparelho de uma pasta. — Só preciso checar algo antes
O aparelho fazia um estranho barulho, como um radinho fora de sintonia. Humberto segurou a curiosidade, não ligava para essas modernidades da cidade.
O agente explicou mesmo assim o que era aquilo, seguindo o protocolo estabelecido.
— Este é um equipamento para medir contaminação. Não se preocupe, não irá afetar em nada sua plantação. — Seu discurso era decorado.
— O senhor tem que me desculpar, mas não tem contaminação nenhuma aqui. Eu nem uso agrotóxico. — Humberto parecia ofendido.
O rapaz sorriu.
— Não é para agrotóxico, é para medir radiação. Ela pode vir pelo ar, pelas chuvas, sabe? — Fez uma pausa, anotando algo no papel. — Tudo certo. O extensionista deve vir ainda esta semana. Irei vir aqui de mês em mês, conferir o senhor e a radiação.
— Só mais uma coisa. Tenho uns pés de café, queria tirá-los não. — O velho disse, cansado.
– Tudo bem, sempre ainda precisaremos de café. Até mais, Senhor.
Humberto murmurou uma despedida. Quando a caminhonete já passava a porteira, resolveu que na próxima visita seria mais gentil, passaria pelo menos um café para o rapaz.
A cada visita, o agente passava o aparelho na miúda plantação, entrava e tomava duas xícaras de café amargo.
A cada visita, o agente passava o aparelho na miúda plantação, entrava e tomava duas xícaras de café amargo. Foi na décima visita que o aparelho, finalmente, fez um barulho estranho. Humberto não precisava ser especialista para saber que ou o aparelho quebrou, ou o resultado era ruim.
— O que é isso? — o velho perguntou. O rapaz apenas coçou a cabeça. – A terra tá contaminada?
O agente finalmente respondeu que sim, estava.
— Então é melhor não tomar o café hoje — Humberto ponderou.
O rapaz pensou um pouco. Olhou a plantação. Lembrou o quanto difícil as coisas tinham ficado, e quanto mais ficariam a partir daquele dia.
— Ah, vamos lá. — O que agora importava?
Depois de tomar a corriqueira segunda xícara, o agente só teve um pensamento: ainda bem que, pelo menos, o gosto continuava bom.
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